Capítulo 1 – E foi assim
Odiar meu pai era um ódio que consumiu grande parte de minha juventude e de minha vida – filho da puta – era sempre a frase que vinha a minha mente quando me lembrava dele – prazer eu sou o Alexandre.
-- Olá Alexandre, prazer, acomode-se, quer uma água, um café? – Ela tinha olhos castanhos claros, olhos grandes, parecia levemente estrábica, mas isso acrescentava um certo charme ao seu olhar firme, gestos tranquilos, seguros, deveria ter uns 30 anos, bonita, charmosa. Meu pai era meu herói, sempre foi durante minha infância até início da fase adulta, mas o constante abandono, as mentiras, as violências destruíram a admiração, talvez o amasse ainda mas tinha certeza que não tinha nenhum sentimento bom por ele.
-- Oi filho, está malvestido hem, comprei um sapato de cromo alemão, vou comprar um para você, você precisa de um relógio bom também... – vou comprar, vou comprar, vou comprar, mentiras, mentiras, mentiras... Sempre assim, falsas promessas, mentiras, arrogância....
-- Toda a família tem problemas, são seres humanos, mas abandono, abusos de toda a sorte, sei que é difícil de lidar. Já vez psicodramatização?
-- Psico oque? – Perguntei curioso
-- Psicodramatização, é uma técnica criada por um psiquiatra romeno, Jacob Levy o nome dele – ela sempre assumia um ar meio “professoral” quando explicava alguma coisa, esses momentos eram engraçados.
-- E o que eu tenho que fazer? – Ela olhou fixamente para meus pés balançando aceleradamente parecendo batucar o chão, parei de balançar e ela percebeu que eu percebera.
Batidas na porta, uma buzina disparou do lado de fora, um cão latiu e a vida seguida acelerada la fora – Pode entrar – sua secretária, uma linda morena, perguntou ansiosa – Doutora seu paciente Camilo, parece que está em uma de suas crises e quer falar urgente com a senhora.
-- Maiara, peça ajuda do doutor Antonio, não consigo parar aqui agora – Olhou de uma forma um tanto ríspida para sua secretária, ela ficou vermelha na hora – Está bom doutora, desculpe interromper.
-- Voltando, pense em seu pai, quero que você represente uma situação de conflito com ele, uma discussão uma briga, primeiro represente você, tudo o que disse nesse conflito, depois ele. – Imaginei-me representando, eu não conseguiria, era extremamente tímido. Ela percebeu minha dúvida, explicou-me que não era necessário envergonhar-me, que era um processo terapêutico, iria me ajudar.
Comecei a representar uma das discussões com meu pai, eu falava tudo o que sentia no momento e ele retribuía com seus deboches e arrogância. Foi terrível, chorei, solucei e após a consulta, estava afundando entre meus ombros... – Até a próxima doutora.
Alameda Jaú em São Paulo, saí caminhando meio que tropeçando no ar, perdido, indignado, sentindo-me um trapo, sentindo-me pequeno, desorientado, só queria sumir nesse momento.
Dora, só atendia pessoas ricas, classe social elevada, para mim fez uma exceção, fui recomendado por meu amigo Nicolai que era amigo de seu filho.
Dora, me salvou, apresentou-me o mundo nos meus 19 anos, saí enfim do casulo, parei de me sentir um merda, continuava revoltado, triste, frustrado, mas começava a interagir com pessoas, já conseguia fazer amigos, não queria mais agredir ninguém por coisas tão pequenas.
-- Filho?
-- Oi mãe, está tudo bem por aí? – Sua voz estava diferente, diferente de sua voz normal, quando sua voz era completamente doce, iria me pedir alguma coisa…. desconfiei.
-- Filho, uma pessoa esteve aqui e queria saber se você podia recebe-lo.
-- Ué, como assim? Quem é mãe? Quem quer que seja, eu recebo é claro.
-- É seu pai filho.
Quando o vi, senti vontade de chorar, perdera seu andar altivo, arrogante, petulante, não estava com as roupas caras, cruzou o portão de minha mãe, do fundo do quintal o olhei, de camiseta, calça jeans surrada e sandálias havaianas, época que usar uma havaiana não tinha status nenhum, era um perfeito símbolo de pobreza, de quem não conseguia comprar um sapato, ao menos um par de tênis. Ele sorriu, eu sorri, nos cumprimentamos e ficamos ali conversando. Lembrei de como ele sumiu de nossas vidas sem ao menos se despedir, lembrei de tudo o que passamos para sobreviver e ali conversando com ele, prometi a mim mesmo que não havia vingança para tudo o que ele havia feito, a melhor vingança seria não ter vingança e trata-lo bem.
O telefone tocou, dia corrido no trabalho – Alo – a voz tímida e medrosa do outro lado respondeu – Alexandre?
-- Sim é ele, Marcia?
-- Oi Alexandre, estou ligando para pedir para você vir ver seu pai, ele não está bem... Está com Alzheimer filho, está bem avançado.
No dia, do velório, seus filhos de seu segundo lar choravam copiosamente, muitas pessoas, lugar apertado, seu corpo ali sem vida estirado no caixão, ja amarelado, eu não tinha nenhuma emoção, meu sentimento era apenas de um dia normal, um dia como outro qualquer, a noite estava quente, muitos militares no velório, amigos recentes, amigos de vários anos. Meu sentimento era “ele morreu, agora não tenho mais como me vingar e isso me deixou profundamente triste e frustrado.
Anos depois procurei outra terapeuta, a psicanalista na verdade se chamava Rosita, estava tentando entender esse e outros traumas, entendi melhor, estava mais maduro perante a vida, busquei ardentemente o autoconhecimento e então descobri o autismo, entendi então o sofrimento em várias fases, a necessidade de solidão, a aversão a barulhos, a muitas pessoas falando juntas, o som da campainha do metro que se continuasse por mais alguns segundos faria minha cabeça explodir, entendi um pouco a minha revolta de infância, enfim entendi quase tudo.
Quando iniciei a formação em psicanalise era mais um processo de autoconhecimento, esse processo continua, mas acho que hoje conheço-me melhor e consigo ajudar a mim mesmo e também ajudar pessoas.
O sentimento de vingança não morreu, fiz o melhor por meus filhos enquanto convivemos juntos, o divórcio nos separou e colocou um muro entre nós, a principal promessa que fiz a mim mesmo, “ser o melhor pai do mundo e ser exemplar”, ruiu acredito que por conta do divórcio.
A vida é assim, uma jornada que ensina muito, acho que não me entristeço mais com nada, com qualquer situação, talvez uma parte de mim tenha morrido, não sei, tento fazer o melhor que posso por mim e pelo outro todos os dias, mas esse sentimento de uma grande anestesia em toda a minha mente e meu corpo, permanece e deixa desanimado e andando como um sonambulo pelo mundo, por outro lado procuro ver o lado bom de tudo, principalmente a oportunidade de aprender tanto durante a jornada.
(Capitulo 2 – próxima semana).
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Sem notas e posts novos, acho que foi um bug.